Então, você vai ser transferido?
– Vou. Pedi para ir para um lugar menos monótono. Não falei assim, é claro. Disse que estava cansado.
– E está?
– Não, ainda não. Mas é um problema para o Chefe saber que tem gente cansada no serviço. Ele não desanima, e não quer ver ninguém desanimado. Todo mundo sabe disso, que o Chefe transfere logo, assim que o sujeito mostra desânimo. Fiz o teatro todo, e foi fácil.
– Você acha que ele não sabe?
– Como assim?
– Você acha que ele não mandou você aqui, para falar comigo, por algum motivo?
Um leve espanto tomou conta do rosto do mais novo. É verdade! Havia sido fácil demais. E respondeu:
– É, tem razão. Ele sabia. Tem sempre essa de falar com um mais velho antes de sair. Coisas como “reafirmar a vocação”.
Olhou ao redor e viu as pessoas se levantarem e se sentarem novamente nos duros bancos de madeira, quando eram faladas aquelas precisas palavras. Continuou:
– O que questiono é se os velhos métodos são adequados, não se tenho ou não vocação. Eu nasci para isso. Estou aqui há muito tempo, tenho observado bastante. Trabalhado bastante.
– Você acha que seu lugar é aqui dentro?
– Acho. Tenho certeza, apesar da arquitetura… O problema, o problema é que tenho esperado demais por uma transformação real nas pessoas. Nosso trabalho exige paciência além do limite. Não existe um caminho mais eficiente, mais moderno?
– Como suspeitávamos!, disse o mais velho. O Chefe afirmou que você sofria do mesmo mal de que os outros sofrem: angústia da modernidade. Preocupação com o futuro, com novidades. Com melhorias no trabalho, como se a nossa não fosse uma estratégia testada e aprovada durante milênios. A natureza humana, você sabe, não mudou muito desde que inspiramos, lá atrás, a criação dessas magníficas construções. Não será diferente no futuro, pelo menos não nos próximos milênios.
– Quem garante? Mas o caso não é esse. É que acho que poderia haver, sim, uma mudança de vez em quando.
– Já leu a história de nossa instituição?
– Óbvio! No seminário, nos cursos de especialização, mestrados, doutorados… Tudo a mesma coisa: muita história, nenhum futuro.
– As próximas gerações poderão se basear com segurança no nosso trabalho.
– As próximas gerações estarão inseguras como eu. Pelo menos na questão do método. Apenas inspirar não tem adiantado muito.
– Alguma sugestão?
Silêncio.
– Então, vejo que não há nenhuma sugestão.
– É… mais ou menos. Quero ver se alguém por aí não está pensando o mesmo que eu.
– Meu jovem, eu passei por isso. Não há nada mais natural do que questionar a vocação. Olha, vou lhe dizer, o tempo não traz sabedoria, traz cansaço, e com o cansaço algumas certezas. Uma delas é que sempre haverá jovens idealistas como você, desejando novidade, agitação, mudança. Hoje eu prefiro ficar aqui, entre esses bancos, observando calmamente as pessoas tentando se concentrar nas palavras do padre, mas realmente preocupadas com o dia a dia, ou como ficaria essa menina ou aquele menino nus. O padre pensa nisso, o tempo todo, enquanto repete cegamente, agora velho, tudo aquilo que lhe ensinaram quando jovem.
– É. Como eu disse, sempre o mesmo.
Ficaram em silêncio por mais um tempo, observando o padre oficiar a missa, diante do altar de madeira coberto com uma toalha rendada feita por uma devota qualquer.
No momento da consagração da hóstia, o padre titubeou. Por uns poucos segundos, questionou o que estava fazendo, o que significavam esses ritos, aquelas pessoas lá embaixo, essa parafernália toda… O que, meu Deus, estou fazendo aqui?
Nesse instante, o mais velho, apontando para frente, disse:
– Olha lá, olha lá. Ele está em dúvida. Sempre nessa hora. Não falha. Antes de ir, faça um favor aqui para o seu amigo: vai lá e inspire o sujeito. Não o deixe perder a fé. Pelo menos não agora.
– É, a fé foi a melhor invenção do Chefe! Deixa comigo.
Então o jovem diabo, olhos negros cheios de ódio flamejando no rosto deformado, como um Quasímodo de pele vermelha e chifres enormes sobre a testa, levantou-se do banco, jogou o rabo imenso para trás e andou pelo corredor, pisando forte com seus pés de bode imundos de lama.
Aproximou-se do padre, pôs a mão sobre sua cabeça, um dedo apontado para sua glândula pineal e, com um bafo de cadáver e enxofre, infundiu-lhe fé.
O padre, sentindo as forças se renovarem, terminou a consagração, voltando calmamente para sua fala segura e tranquila.
O diabo se virou e observou que seu colega sorria por trás da cabeleira de fogo que escorria sobre as imensas feridas pustulentas de seu rosto nojento. Um aceno, um adeus.
E o jovem diabo saiu da igreja, deixando para trás um rastro de fezes e urina, compreendendo a lição do colega de profissão.
As médiuns que o viram, entre as carolas do banco da frente, imaginaram um anjo de asas imensas e luminosas, e assim devotaram suas orações a Deus, agradecendo pelo padre que tão bem as conduzia pelos caminhos divinos.
15/04/2012