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O osso de Ishango

O osso de Ishango é um dos mais antigos artefatos “matemáticos” conhecidos. Encontrado em 1960 pelo geólogo belga Jean de Heinzelin (1920-1998) na localidade de Ishango, na atual República Democrática do Congo, esse pequeno osso de babuíno contém três conjuntos de marcas distintas, feitas por algum material cortante com intenções ainda hoje desconhecidas.

Segundo datações recentes, o osso teria entre 18.000 e 22.000 anos de idade, cerca de 10.000 anos mais antigo do que o início da agricultura e dos primeiros núcleos humanos permanentes conhecidos. Como ocorre com todo artefato arqueológico, uma série de especulações é imediatamente criada para dar algum sentido ao objeto encontrado. Partindo de uma visão moderna, nossa primeira interpretação é dizer que o autor das marcas estava “contando” alguma coisa. Mas há quem extrapole essa simples versão e diga muito mais.

A figura acima não nos deixa ver com precisão que são três os conjuntos distintos de marcas. Vamos a uma visão esquemática dos cortes:

Esquema do osso de Ishango
Fonte: tiny.cc/esquema-ishango

Observe algumas características dos três conjuntos de marcas:

  • No primeiro conjuntos, os números somam 48. Cada um dos dois conjuntos seguintes soma 60. Os números 48 e 60 são ambos divisíveis por 12;
  • No primeiro conjunto, encontramos números menores do que 10 e, no segundo, todos os números primos de 10 a 20.
  • No primeiro conjunto, vemos 3 marcas e depois seu dobro, 6; logo depois vemos 4 e seu dobro, 8, e por fim vemos 10 e sua metade, 5.
  • Nos dois últimos conjuntos, encontramos apenas números ímpares.

Seriam essas características suficientes para dizer que a pessoa que fez as marcas estava desenvolvendo algum tipo de pensamento matemático? Ou será que, segundo algumas interpretações, ela estaria contando os ciclos da lua? Se a pessoa que fez as marcas era mulher, estaria ela contando fases de seu ciclo menstrual? Não sabemos. Nenhuma dessas interpretações encontrou guarida definitiva entre arqueólogos e antropólogos.

Existem ossos mais antigos do que esses, como o famoso osso de Lebombo (c. 37.000 a.C.), mas nenhum com características tão marcantes. Até que outros artefatos com a mesma estrutura sejam encontrados, não poderemos dizer com certeza do que o osso de Ishango trata.

Discussão

O problema central da história da matemática é um problema de historiografia, de escrita da história. Como escrever a história da matemática? O que conta como matemática e o que não conta? Quais fatos são relevantes? Seria o osso de Ishango um fato da história da matemática? Afinal, o que é mesmo matemática, para que possamos classificar e historiar todo o material?

Diante disso, o osso de Ishango desperta alguns questionamentos:

  1. Riscos e entalhes em qualquer objeto, se feitos com algum padrão, contam como matemática? Não seriam, talvez, apenas arte?
  2. Seria possível que a pessoa que fez os entalhes no osso estivesse apenas passando tempo? A existência de marcas que vemos como possuindo alguma estrutura que nós chamamos de matemática possa ser obra de uma pessoa que estivesse apenas se divertindo?
  3. Você acredita que a pessoa que entalhou o osso tinha palavras para expressar quantidades?

Para saber mais

Alguns conceitos não foram bem explorados no texto. Deixo pra você procurar saber o que significam:

  • divisibilidade (como dizer que 60 é divisível por 12)
  • número primos

Uma busca na internet pode resolver suas dúvidas. A Wikipedia é sempre um bom começo.

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